Marcelo Tas

Marcelo Tas Comunicador, educador e extraterrestre

    Vamos passar para a outra fase do jogo?

    Por Salinas Bahia - 04/12/2020 - 09:17:02

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    Artigo publicado em 20/12/2004 no Caderno Link do jornal O Estado de São de São Paulo.

    Será diferente o cenário dos games no natal de 2020?

    Por Marcelo Tas

    Neste Natal, até Papai Noel está viciado em videogame. Pelo jeito, o panetone vai ser cortado ao som de batidas de carro, tiros de metralhadora e ataques de alienígenas. Segundo as previsões, os joguinhos eletrônicos serão os campeões do amigo secreto. Uma das principais organizações da indústria, a Associação do Software de Entretenimento (ESA), garante que em metade dos lares norte-americanos as crianças vão ganhar videogame como presente de Natal. É gente e grana para caramba! Minha primeira experiência no mundo dos videogames aconteceu na década de 60, em férias com a família, na cidade de Santos. Foi uma experiência religiosa. Um verdadeiro transe. Naquela época as LAN houses se chamavam fliperama.

    Eu, meus irmãos e primos, acostumados com brincadeiras do mundo real e rural de Ituverava, interior de São Paulo, colávamos nas máquinas e esquecíamos da vida. Para desespero dos nossos pais, trocávamos sem pestanejar a praia por rifles, Pac Man e bolinhas de pimbal. Os games eram bem toscos; as máquinas, uns verdadeiros trambolhos. Mas garanto que nossa excitação, devoção e concentração eram muito parecidas com as da molecada digital atual.

    Se, desde seu aparecimento, os jogos eletrônicos sempre foram fascinantes, os números e a importância da indústria hoje são outros. Em 2003, foram vendidos 239 milhões de games só nos EUA. Mais de duas unidades para cada residência norte-americana. Em 2004, o NPD Group, que mede o pulso do mercado, estima que o negócio cresça 7%, atingindo a marca de US$ 12 bilhões. E isto é apenas o faturamento do mercado doméstico dos EUA. Para você ter uma ideia do tamanho do número, a famosa soja brasileira, campeã de faturamento do nosso PIB, bate nos US$ 8 bilhões ao ano, só que em exportações para o mundo todo. Definitivamente, os moleques do videogame passaram para outra fase do joguinho.

    Mas nem tudo anda divertido no mundo das Diversões Eletrônicas. Os games estão sendo atacados e questionados como réus de uma corte marcial por pais e especialistas. O ponto principal é a influência da violência virtual na vida real da garotada. A discussão foi muito bem levantada aqui pelo meu prezado editor, amigo e vizinho de coluna no Link. Peço licença ao Ricardo Anderáos e aos leitores ultrapreocupados com o tema, mas o tio Tas vai discordar de alguns pontos. Do alto da minha experiência de mais de quatro décadas como destruidor implacável de automóveis e vidas virtuais, posso garantir: o demônio não é tão feio como o pintam.

    Dizer que os games e a TV reforçam a violência gratuita como modo de vida é um tiro muito fora do alvo. Ou se está superestimando os poderes hipnotizadores de Ratinho, Nintendo & Cia. Ou se subestimando a inteligência e o discernimento da molecada. Em qualquer das hipóteses, comete-se um grande equívoco. Videogame ou televisão não é gente. Não tem vontade, maldade ou personalidade próprias. É só ferramenta. O poder deles para divertir, destruir ou ampliar a consciência depende do uso. Proibir um filho de assistir à TV aberta é o mesmo que proibi-lo de usar caneta Bic. Só porque foi com ela que os coleguinhas malvados escreveram palavrões na parede do banheiro da escola. É uma atitude que não caminha na direção do esclarecimento e convivência verdadeira com os problemas do mundo. É a mesma tática da blindagem dos automóveis para resolver o problema da desigualdade social no Brasil. Por outro lado, admirei muitíssimo a transparência e a clareza do Ricardo ao discutir a publicação ou não de uma matéria sobre JFK: Reloaded, o joguinho em que podemos treinar o assassinato do Kennedy. Isso é louvável.

    Concordo inclusive com a decisão dele de não dar a matéria. Isto não é censura nem omissão. É discernimento. Além de apelativo, o joguinho é primário e monótono. Não merece a importância e o espaço que ganhou na mídia. Aliás, que ótimo seria se todos os editores da imprensa brasileira que cobrem televisão agissem dessa forma. No País existem programas e séries reconhecidas internacionalmente pela sua qualidade e criatividade. Enquanto isso grande parte da mídia e até mesmo dos intelectuais brasileiros prefere gastar seus neurônios, papel e tinta com João Kleber, Gugu e é claro com os incríveis programas policiais apelativos de final de tarde.

Sei que não é o caso do Anderáos, mas aposto que a maioria dos críticos e pais que demonizam a televisão e os games raramente assiste à TV ou joga junto com os filhos.

    Eis o nó da questão. Revoltam-se contra os alienígenas sanguinários, mas não se importam com a violência do fato de não disponibilizar parte do curto período de vida humana deles nesta Terra para interagir com os próprios filhos. Nem para o joguinho eletrônico; nem para o joguinho da vida real. Preferem botar a culpa nas pobres, burras e indefesas máquinas eletrônicas sem vontade própria. Que dependem até mesmo de pilhas e fios na tomada para sobreviver.

    Aí fica fácil.

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